quarta-feira, 16 de abril de 2014

Balanço dos 40 anos. Ou: Eu poderia ser Paul Kemp


“No momento estou sentada sozinha num típico café parisiense, num lugar qualquer do mapa. Não sei onde, pois saio simplesmente vagando. Seria legal se você estivesse aqui. Viveríamos muito!” (Paris, 2 de dezembro de 2002)

Não sei se por coincidência, pela embriaguês, pela profissão ou por me conhecer muito bem. Mas minha amiga Cássia Fernandes (para mim, ainda Lucivânia Fernandes) acertou no alvo com o presente. Rum: Diário de um Jornalista Bêbado (de Hunter Thompson) é daqueles livros que eu gostaria de ter escrito. Ou que poderia ter sido escrito para mim. Eu poderia ser Paul Kemp, jornalista norte-americano na San Juan, Porto Rico, nos anos 1950.

Não literalmente, mas literariamente. Mais uma vez, não sei se por coincidência ou por nossas longas conversas em que a literatura se misturava com nossas próprias histórias, Cássia apresentou-me um personagem que me remete a meu autor favorito entre todos os demais: Henry Miller. Apesar da estranheza em se comparar personagem, Kemp, com o autor autobiográfico Miller.

Mas não falo de estilos, regras, normas. Falo de um peculiar estranhamento diante da vida e de um tipo de nostalgia de coisas que nunca aconteceram. Miller nos anos 1930/1940, Kemp na década seguinte e eu na passagem do século XX para o XXI somos igualmente desajustados.

Não, não chego aos extremos de Miller nem aos delitos morais de Kemp. Mas carrego meus próprios conflitos, combato – ou finjo combater – meus desvios de conduta e explicito minha inadequação no mundo da mesma maneira.

Não encontro meu lugar, apesar da mulher que amo e da cidade que adoro. Não me interesso mais pela minha profissão. Não planejo, não dou continuidade. Não paro, não estabilizo, não sigo o fluxograma – e não cito nada disso como qualidades como talvez já tenha pensado um dia. Nem como defeito, simplesmente é assim.

Não escrevo mais – e isso me tortura, mas falta inspiração, motivo. Não sonho mais, apesar dos pesadelos na madrugada. Perdi a capacidade de, a partir de um melancólico e colorido final de tarde, naquele torpor tão bem descrito por Kemp, traçar um futuro grandioso, mesmo sabendo ser a maior parte fantasia. Perdi a capacidade de reflexão sobre o mundo, meu próprio mundo.

Lembro-me da noite de 6 de janeiro de 2004, de como nos divertimos com o que escrevi em meu balanço dos 30 anos. Goiânia, um bar na Praça do Avião, ao deixar o trabalho pouco depois da meia-noite (dia 7, portanto). Lá estavam Cássia e Normand. E chegamos à conclusão de que ainda havia alguns anos antes de transformar as amenidades do dia a dia em único motivo da existência. Aos 40 anos, pergunto-me se esse tempo não chegou.

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