“No momento estou sentada sozinha num típico café parisiense, num lugar qualquer do mapa. Não sei onde, pois saio simplesmente vagando. Seria legal se você estivesse aqui. Viveríamos muito!” (Paris, 2 de dezembro de 2002)
Não sei se por
coincidência, pela embriaguês, pela profissão ou por me conhecer muito bem. Mas
minha amiga Cássia Fernandes (para mim, ainda Lucivânia Fernandes) acertou no
alvo com o presente. Rum: Diário de um Jornalista Bêbado (de Hunter Thompson) é
daqueles livros que eu gostaria de ter escrito. Ou que poderia ter sido escrito
para mim. Eu poderia ser Paul Kemp, jornalista norte-americano na San Juan,
Porto Rico, nos anos 1950.
Não
literalmente, mas literariamente. Mais uma vez, não sei se por coincidência ou
por nossas longas conversas em que a literatura se misturava com nossas
próprias histórias, Cássia apresentou-me um personagem que me remete a meu autor
favorito entre todos os demais: Henry Miller. Apesar da estranheza em se
comparar personagem, Kemp, com o autor autobiográfico Miller.
Mas não falo
de estilos, regras, normas. Falo de um peculiar estranhamento diante da vida e
de um tipo de nostalgia de coisas que nunca aconteceram. Miller nos anos
1930/1940, Kemp na década seguinte e eu na passagem do século XX para o XXI
somos igualmente desajustados.
Não, não
chego aos extremos de Miller nem aos delitos morais de Kemp. Mas carrego meus
próprios conflitos, combato – ou finjo combater – meus desvios de conduta e
explicito minha inadequação no mundo da mesma maneira.
Não encontro
meu lugar, apesar da mulher que amo e da cidade que adoro. Não me interesso
mais pela minha profissão. Não planejo, não dou continuidade. Não paro, não
estabilizo, não sigo o fluxograma – e não cito nada disso como qualidades como
talvez já tenha pensado um dia. Nem como defeito, simplesmente é assim.
Não escrevo
mais – e isso me tortura, mas falta inspiração, motivo. Não sonho mais, apesar
dos pesadelos na madrugada. Perdi a capacidade de, a partir de um melancólico e
colorido final de tarde, naquele torpor tão bem descrito por Kemp, traçar um
futuro grandioso, mesmo sabendo ser a maior parte fantasia. Perdi a capacidade
de reflexão sobre o mundo, meu próprio mundo.
Lembro-me da
noite de 6 de janeiro de 2004, de como nos divertimos com o que escrevi em meu
balanço dos 30 anos. Goiânia, um bar na Praça do Avião, ao deixar o trabalho pouco depois da
meia-noite (dia 7, portanto). Lá estavam Cássia e Normand. E chegamos à
conclusão de que ainda havia alguns anos antes de transformar as amenidades do
dia a dia em único motivo da existência. Aos 40 anos, pergunto-me se esse tempo
não chegou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário