Duas frases do livro, publicado pela Matrix Editora e à venda por R$ 99,00, dão o tom da obra de Eduardo Cunha: “Quem com golpe fere, com golpe será ferido” (numa referência ao apoio do PT ao impeachment de Collor) e “Não se tira presidente, se coloca presidente”, dita pelo senador Ciro Nogueira a Cunha durante jantar em Nova York, quando se discutia o processo de afastamento da ex-presidente. Ou seja, enquanto a discussão ficasse em tirar a Dilma, não iria dar em nada, mas se o assunto fosse a substituição de Dilma por Michel, dependendo da articulação dele, Temer, a saída de Dilma poderia prosperar.
São cinco anos desde o 17 de abril de 2016, quando o voto de número 367, proferido por Bruno Araújo na Câmara dos Deputados, valeu uma festa no Congresso e em grande parte do país, dando início à primeira etapa do impeachment, processo sacramentado algumas semanas depois.
Tudo o que se noticiou até agora sobre esse fato histórico é praticamente nada frente às revelações bombásticas do ex-presidente da Câmara. Poucos políticos brasileiros conhecem em detalhes as engrenagens da Casa, seu regimento e sabem interpretar os movimentos da política, como ele escreve: “O meu conhecimento do processo legislativo e do regimento da casa, me davam uma enorme vantagem sobre o governo. Todas as armadilhas regimentais, que eles poderiam utilizar, estavam já previstas por mim e seriam facilmente derrotadas”.
Cunha foi o centro de uma disputa de interesses que envolveu dois pesos-pesados: de um lado o ex-presidente Lula, querendo manter Dilma e o PT no poder. Do outro, o então vice-presidente Michel Temer, se mexendo para assumir a Presidência, enquanto movimentos pró e contra o impeachment se articulavam nas ruas e nos corredores do Congresso.
Em suas 808 páginas, a obra de Cunha traz revelações surpreendentes. Como, por exemplo, o fato de Aloizio Mercadante ter prejudicado Dilma e sua articulação política, sendo um dos responsáveis pela queda da então presidente. “Ele não só impedia Michel de cumprir os acordos firmados com os partidos da base, como também colocava na cabeça de Dilma, que Michel estava usando a articulação política do governo para dominar os grupos políticos, se cacifando para o impeachment” – diz Cunha em um dos trechos do livro.
Cunha mostra como o empresário Joesley Batista transitava com desenvoltura no meio político, com diversos interesses. Foi na casa de Joesley, em São Paulo, que Cunha se encontrou com Lula, às vésperas do impeachment. O dono da J&F, entre outras coisas, pediu a Temer a nomeação de Henrique Meirelles para Ministro da Fazenda, e que Temer falasse da política cambial do seu futuro governo para segurar a queda do dólar. Joesley fez gestões junto a Fachin para votar a ADI 5526, para tentar reverter o afastamento de Cunha, combinada para agosto de 2016, abortada pela renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara. E mostra as conversas do empresário para conseguir o apoio de partidos como PP, PSD e PR à tese do afastamento de Dilma.
Mas, para Cunha, Temer sempre foi comandado por Moreira Franco: “Não havia movimento político nenhum, que não fosse o combinado com ele. Moreira era o cérebro de Michel, sendo que no seu governo, foi quem efetivamente mandou. As relações entre eles extrapolaram e muito as relações políticas”.
Sobre a MP dos Portos, no governo Dilma, Cunha acha estranho que até agora o assunto não faça parte da delação da Odebrecht, não tenha sido objeto de investigação e responsabilização. Diz ele no livro: “Em toda a minha história no parlamento, nunca vi um ato de governo tão carimbado para beneficiar a uma empresa, como esse ato beneficiou a Odebrecht”.
O Exército também entra no relato. O General Villas Bôas demonstrava para Cunha que conhecia a rotina de Dilma no governo: os militares que a cercavam, como ajudantes de ordem, no dia a dia dela, serviam de fonte de informações para os comandantes.
Além desses, outros assuntos importantes e até curiosos são abordados na obra:
- Os bastidores da votação da PEC da Bengala.
- O ministério que Dilma ofereceu para que Cunha recuasse do rompimento com o governo.
- As ofertas de Jaques Wágner.
- As conversas com Lula: a primeira, em um hotel em São Paulo (março de 2015), quando inclusive falaram de Fachin, a pedido de Joesley. A segunda, na casa de Temer em São Paulo (junho de 2015), sobre a convocação de Paulo Okamoto para a CPI da Petrobras; e a terceira, em setembro de 2015, no Hotel Blue Tree Brasília, quando Lula comunicou a Cunha a troca de Mercadante por Jaques Wagner na Casa Civil, que ocorreria no fim daquele mês. Cunha mostra como enxergava o ex-presidente: “Lula tinha uma grande virtude, o que o diferenciava do PT. Ele era pragmático. Não se importava com o que o adversário tivesse já feito que o prejudicasse. Achava que sempre poderia evitar um mal maior, se fizesse um acordo para conter os danos. Ele não agia por raiva ou por impulso. Ele media o benefício que podia auferir, independente do prejuízo já obtido”.
- A articulação para rejeição do pedido de impeachment e aprovação de recurso no plenário, com reunião da casa de Rodrigo Maia.
- O pedido de impeachment assinado e guardado num cofre, em 29 de outubro de 2015, caso Cunha fosse afastado ou morresse.
- O parecer do impeachment feito por Gustavo Rocha, aprovado pelo Temer.
- A atuação de Moro no impeachment, em três atos: o da prisão de João Santana, a condução coercitiva de Lula e o vazamento dos diálogos de Dilma e Lula.
- O afastamento da presidência da Câmara.
Cunha também faz propostas para mudanças na política do Brasil e mostra pontos de sua defesa, incluindo a posição do MPF de que ele era apenas usufrutuário de contas na Suíça.
Um livro para entender as entranhas do poder e os bastidores da política.
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