No dia
24 de abril, data em que o ex-juiz Sergio Moro, até então herói da
nação bolsonarista, pediu demissão do cargo de ministro da Justiça
e revelou o que muitos já sabiam – a tentativa de Jair Bolsonaro
em interferir nas investigações da Polícia Federal que envolvem seus filhos e políticos aliados –, consegui entrar, a partir de um link postado em uma mídia social, em
um grupo de apoiadores de Bolsonaro no Whats App.
Encontrei o que obviamente já esperava: defesa incondicional de
presidente, teses fantasiosas sobre os mais genéricos assuntos,
agressões a adversários políticos e ideológicos, muita, mas muita
fake news, soluções milagrosas para o coronavírus, negação
veemente da própria existência da epidemia, ataques à Rede Globo,
inúmeras mensagens de adoração a Deus e ameaças físicas a
adversários, bem como à liberdade de expressão, entre outros temas
já conhecidos.
Ainda que isso tudo fosse esperado, não há como qualquer pessoa
com o mínimo discernimento da realidade, seja ela de qual matiz
político for, não se assombrar com o teor do que circula nesses
grupos. É, no mínimo, assustador.
Vamos lá:
Apesar de o grupo ter sido criado no auge da crise Moro x
Bolsonaro, o primeiro vídeo que chegou dizia respeito à pandemia. Um cidadão dirigindo diz estar falando "ao vivo" com uma
informação de última hora, urgentíssima. Afirmando ter amigos que
trabalham em todos os portos do país (!!!), o cidadão,
aparentemente um pastor evangélico – ele fala que seus vídeos
geralmente são de oração e que está em uma obra missionária em
uma cidade de Santa Catarina -, “alerta” a população para não
aceitarem máscaras distribuídas pelo SUS, pois “elas estão
contaminadas com o covid-19”. Segundo ele, são máscaras vindas da
China, que já contaminaram norte-americanos. O "especialista" ainda diz
que vai postar outro vídeo – o que não acontece – mostrando o
FBI recolhendo as máscaras nos EUA.
Logo depois, um perfil com a descrição “Deus acima de tudo”
confirma e faz um adendo à informação: “Mascaras ‘N95’ de
padrão mundial vindas da hina, testaram positivo para a peste
chinesa” (SIC).
A partir daí, o assunto Sergio Moro predomina. Foi muito
interessante, ao longo de um ou dois dias, ver a transformação do
ex-ministro de aliado e combatente da corrupção ao mais novo
inimigo do País.
Algumas explicações foram bastante inusitadas: tudo não passara
de uma grande jogada de Bolsonaro para levar o já ex-ministro ao STF
no final do ano. “Não tem como ser ministro da Justiça e ministro
do STF. Bolsonaro articula demais e a esquerdalha pira”, afirma um
integrante, garantindo ser tudo um teatro armado entre o presidente e
seu pupilo. Os indecisos ficam excitados com a possibilidade. “Moro
vai descansar!!! Agora em novembro o Celso de Mello é obrigado a
deixar o STF, pq completa 75 anos...abrirá uma vaga no STF...quem
ocupará??”, exultam.
Conforme a imprensa explorava a denúncia de tentativa intervenção de
Bolsonaro na PF em favor dos filhos e aliados políticos, o humor com Moro começava a mudar. Primeiro, surgiram acusações contra o pivô da demissão, o ex-diretor da PF Maurício
Valeixo.
A acusação contra Valeixo era pelo fato de a PF, após exaustiva
investigação, ter chegado ao óbvio: Adélio Bispo, um doente
mental diagnosticado cientificamente, agiu sozinho, e não a mando de
alguém, ao esfaquear Bolsonaro durante a campanha presidencial. Fica
claro que, assim como o próprio Bolsonaro, a turba não queria uma
investigação séria, mas, sim, encontrar um suposto e inexistente
mandante – esquerdista, óbvio – do crime. “Lembrando, que o
Ex-Diretor da PF Mauricio Valeixo é aquele que disse que Adélio
agiu como louco, um lobo solitário no ataque ao presidente, e que
não havia ninguém financiando o ‘maluco’", diz uma postagem, deixando
claro: “Respeito Moro, e tenho gratidão pelo que fez ao país,
porém, não votei em Ministro”, conclui.
A partir daí, o humor e as “análises” mudam radicalmente.
Moro deixa de ser herói e passa a integrar a ala dos “esquerdistas”
da Nação. Poucos contestam, mas alguns deixam o grupo. “Pessoal!
Entrei num grupo da Direita, porém, NÃO RADICAL. Tenham bom senso e
não protejam tanto o Presidente”, comentou um participante que, em
seguida, deixou o grupo. Claro que o infeliz passa, também, a
integrar o fantasma comunista e é atacado em seguida. “Mentiroso
ou mentirosa infiltrado ou infiltrada”, sentenciam.
Aparecem listas de supostas manifestações e atos “esquerdistas”
de Moro. Entre elas, apoio à soltura de Lula; defesa de líderes do
PCC; nomeações, para o ministério, de globais e colunistas da
“Foice de S.Paulo”.
A mensagem que acusa Valeixo de ser um inimigo da Pátria passa a
ser constantemente repostada. Inclui-se a “falha” da PF ao
investigar o jornalista Glenn Greenwald no episódio da Vaza Jato,
que curiosamente, revelou a própria parcialidade de Moro e dos
promotores da Lava Jato, coordenados por Deltan Dalagnol, na ânsia
de condenar Lula. À época, relembre-se, Moro foi maciçamente
defendido pelos mesmos que agora o acusam. “Então tire suas
conclusões, Bolsonaro agiu certo em pedir sua cabeça a Moro, ou
agiu errado?”, questionam.
Roberto
Jefferson, um dos beneficiados com o tal mensalão, passa a ser herói
bolsonarista. Sua crítica a Moro é comemorada e aplaudida pelos
patriotas anticorrupção. “Aposto que por trás do Moro, estão o
DEM e o PSDB, juntos com FHC, Rodrigo Maia, Alcolumbre, Dória,
Witzel e outros mais”, diz o novo herói da Nação
brasileira.
Não é só Moro, obviamente, que passa a ser inimigo da Nação
anticorrupção. Aliada de primeira hora e campeã de votos, a
deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) é carinhosamente chamada
de “gorda”, “bruxa” e “Peppa”. A descrição do perfil do
autor das agressões? “Deus está no comando”.
(Continua...)