A parcial atuação do então juiz Sergio Moro é um dos temas abordados no livro
Tchau, querida – O diário do impeachment, escrito pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e sua filha a publicitária Danielle Cunha. De acordo com o político, Moro - hoje, claramente com objetivos político-eleitorais - ajudou em três atos: o da prisão de João Santana, a condução coercitiva de Lula e o vazamento dos diálogos de Dilma e Lula.
Duas
frases do livro, publicado pela Matrix
Editora e à venda por R$ 99,00, dão o tom da obra de Eduardo Cunha: “Quem com
golpe fere, com golpe será ferido” (numa referência ao apoio do
PT ao impeachment de Collor) e “Não se tira presidente, se coloca
presidente”, dita pelo senador Ciro Nogueira a Cunha durante jantar
em Nova York, quando se discutia o processo de afastamento da
ex-presidente. Ou seja, enquanto a discussão ficasse em tirar a
Dilma, não iria dar em nada, mas se o assunto fosse a substituição
de Dilma por Michel, dependendo da articulação dele, Temer, a saída
de Dilma poderia prosperar.
São cinco anos desde o 17 de abril de
2016, quando o voto de número 367, proferido por Bruno Araújo na
Câmara dos Deputados, valeu uma festa no Congresso e em grande parte
do país, dando início à primeira etapa do impeachment, processo
sacramentado algumas semanas depois.
Tudo o que se noticiou até agora
sobre esse fato histórico é praticamente nada frente às revelações
bombásticas do ex-presidente da Câmara. Poucos políticos
brasileiros conhecem em detalhes as engrenagens da Casa, seu
regimento e sabem interpretar os movimentos da política, como ele
escreve: “O meu conhecimento do processo legislativo e do regimento
da casa, me davam uma enorme vantagem sobre o governo. Todas as
armadilhas regimentais, que eles poderiam utilizar, estavam já
previstas por mim e seriam facilmente derrotadas”.
Cunha foi o centro de uma disputa de
interesses que envolveu dois pesos-pesados: de um lado o
ex-presidente Lula, querendo manter Dilma e o PT no poder. Do outro,
o então vice-presidente Michel Temer, se mexendo para assumir a
Presidência, enquanto movimentos pró e contra o impeachment se
articulavam nas ruas e nos corredores do Congresso.
Em suas 808 páginas, a obra de Cunha
traz revelações surpreendentes. Como, por exemplo, o fato de
Aloizio Mercadante ter prejudicado Dilma e sua articulação
política, sendo um dos responsáveis pela queda da então
presidente. “Ele não só impedia Michel de cumprir os acordos
firmados com os partidos da base, como também colocava na cabeça de
Dilma, que Michel estava usando a articulação política do governo
para dominar os grupos políticos, se cacifando para o impeachment”
– diz Cunha em um dos trechos do livro.
Cunha mostra como o empresário
Joesley Batista transitava com desenvoltura no meio político, com
diversos interesses. Foi na casa de Joesley, em São Paulo, que Cunha
se encontrou com Lula, às vésperas do impeachment. O dono da J&F,
entre outras coisas, pediu a Temer a nomeação de Henrique Meirelles
para Ministro da Fazenda, e que Temer falasse da política cambial do
seu futuro governo para segurar a queda do dólar. Joesley fez
gestões junto a Fachin para votar a ADI 5526, para tentar reverter o
afastamento de Cunha, combinada para agosto de 2016, abortada pela
renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara. E mostra as
conversas do empresário para conseguir o apoio de partidos como PP,
PSD e PR à tese do afastamento de Dilma.
Mas, para Cunha, Temer sempre foi
comandado por Moreira Franco: “Não havia movimento político
nenhum, que não fosse o combinado com ele. Moreira era o cérebro de
Michel, sendo que no seu governo, foi quem efetivamente mandou. As
relações entre eles extrapolaram e muito as relações políticas”.
Sobre a MP dos Portos, no governo
Dilma, Cunha acha estranho que até agora o assunto não faça parte
da delação da Odebrecht, não tenha sido objeto de investigação e
responsabilização. Diz ele no livro: “Em toda a minha história
no parlamento, nunca vi um ato de governo tão carimbado para
beneficiar a uma empresa, como esse ato beneficiou a Odebrecht”.
O Exército também entra no relato. O
General Villas Bôas demonstrava para Cunha que conhecia a rotina de
Dilma no governo: os militares que a cercavam, como ajudantes de
ordem, no dia a dia dela, serviam de fonte de informações para os
comandantes.
Além desses, outros assuntos
importantes e até curiosos são abordados na obra:
- Os bastidores da votação da PEC da
Bengala.
- O ministério que Dilma ofereceu
para que Cunha recuasse do rompimento com o governo.
- As ofertas de Jaques Wágner.
- As conversas com Lula: a primeira,
em um hotel em São Paulo (março de 2015), quando inclusive falaram
de Fachin, a pedido de Joesley. A segunda, na casa de Temer em São
Paulo (junho de 2015), sobre a convocação de Paulo Okamoto para a
CPI da Petrobras; e a terceira, em setembro de 2015, no Hotel Blue
Tree Brasília, quando Lula comunicou a Cunha a troca de Mercadante
por Jaques Wagner na Casa Civil, que ocorreria no fim daquele mês.
Cunha mostra como enxergava o ex-presidente: “Lula tinha uma grande
virtude, o que o diferenciava do PT. Ele era pragmático. Não se
importava com o que o adversário tivesse já feito que o
prejudicasse. Achava que sempre poderia evitar um mal maior, se
fizesse um acordo para conter os danos. Ele não agia por raiva ou
por impulso. Ele media o benefício que podia auferir, independente
do prejuízo já obtido”.
- A articulação para rejeição do
pedido de impeachment e aprovação de recurso no plenário, com
reunião da casa de Rodrigo Maia.
- O pedido de impeachment assinado e
guardado num cofre, em 29 de outubro de 2015, caso Cunha fosse
afastado ou morresse.
- O parecer do impeachment feito por
Gustavo Rocha, aprovado pelo Temer.
- A atuação de Moro no impeachment,
em três atos: o da prisão de João Santana, a condução coercitiva
de Lula e o vazamento dos diálogos de Dilma e Lula.
- O afastamento da presidência da
Câmara.
Cunha também faz propostas para
mudanças na política do Brasil e mostra pontos de sua defesa,
incluindo a posição do MPF de que ele era apenas usufrutuário de
contas na Suíça.
Um livro para entender as entranhas do
poder e os bastidores da política.