Se, em 12
anos de um governo de esquerda, como dizem, reestabeleceu-se a luta de classes
no Brasil – a meu ver, nada mais que uma reação
das elites à ascensão das classes mais baixas –, o conflito de gêneros, que
parecia restrito a décadas passadas, retornou com força. Potencializada pela
exponencial exposição permitida pelas redes sociais, a reação feminina a uma
sociedade absurdamente machista, porém, parece ter perdido a mão.
Exemplos
não faltam. A patética reação ao cartaz de divulgação do novo filme X-Men, por
exemplo, que obrigou a Fox a se desculpar com as mulheres (?!) deveria fazer
corar a mais radical “feminazi”. Querer atribuir questões de gênero a uma
fábula de heróis e vilões, trazer à vida real uma situação fantasiosa que só
tem razão de existir nos cinemas ou nos quadrinhos, além de absurdamente
ridículo, permite que a “causa” caia em descrédito e seja relegada – nesse
caso, com razão – ao folclore nacional.
Mas,
retornemos a questões verdadeiramente importantes. O caso do assédio sexual do
funkeiro Biel (quem?) contra a jornalista do portal IG provocou uma reação em
cadeia masculina e feminina contra o artista. Natural. Mas, de onde vieram as
mais radicais defesas do cantor?
Em matériapublicada no Ego em que Biel diz que foi tudo “brincadeira”, a leitora Fernanda
V. escreve: “Gente pelo amor né... imagine ir denunciar de assédio cada bobeira
que a gente houve nas ruas, todos os dias pelos homens. Agora com o lance o
estupro coletivo, tudo vai ser visto com lentes de aumento. Calma mulherada,
vamos exigir nossos direitos de outras formas. Pelo na axila e denuncia de
assédio sem contexto não vale!”
NoTwitter, a fã Ka, escreveu, entre outras pérolas: “bando de hipócritas, bando
de gente mentirosa tentando tapar o erro deles com o do Gabriel, o erro dele
nao diminui o de ninguém”.
Vale
ressaltar que os exemplos são alguns entre milhares. Milhares.
Vamos ao
caso do estupro coletivo da adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro. Conversa
entre três colegas de trabalho – mulheres - de uma pessoa próxima: “Não acho
que é verdade. Ela fazia sexo em troca de drogas.” “E estava acostumada a fazer
orgias, tem 16 anos e já tem uma filha”. "Ela gostava."
Em uma
reportagem de TV sobre o tema publicada no You Tube, a preocupação de dezenas de
mulheres é uma só: “me manda o vídeo”, com seus números de celulares publicados
abertamente.
Temos
mais. Nos dias em que o afastamento temporário de Dilma Roussef estava em
discussão na Câmara Federal, uma amiga flagrou a seguinte conversa entre a
caixa de supermercado e a cliente: “Será que a Dilma cai?”. “Ah, tem que cair.
Aquela não serve nem pra empregada doméstica.”
No perfilde Jair Bolsonaro no Facebook – o mesmo que afirma que o patrão tem direito de
pagar salários menores às mulheres porque elas engravidam ou que afirmou a uma
deputada que não a estuprava porque ela não merecia - as fãs, como Gildete G.,
dizem frases como: “ Para resgatar os valores perdidos das famílias brasileira.
..e por Ordem e progresso nesse país ..Nosso futuro presidente! !!!!!!!!!! “.
Ou Lua F. B.: “O mais legal é que a galera quer fazer campanha sem ganhar nada,
porque acredita no Bolsonaro, diferente de outros por aí que precisam trocar
votos por benefícios ou dinheiro! É nosso futuro presidente!!!”.
Ou, ainda,
Ângela B.: “Sou sua admiradora querido Bolsonaro, por isso gostaria muito que o
senhor falasse mais sobre seus planos futuros se for eleito presidente em
relação a educação e saúde! um super abraço.”. E por aí vai.
Por outro
lado, o absurdo: homens que se mobilizam verdadeiramente pelo fim da cultura do
estupro, contra a submissão feminina pregada por algumas religiões, contra uma
sociedade latina verdadeiramente machista e a favor da real igualdade de gêneros são
atacados por muitas mulheres - das mais educadas e bem formadas - simplesmente... por serem homens. Os exemplos
também estão igualmente aí, às dezenas, centenas.
Não seria
a hora de as combativas mulheres olharem mais para o caráter, o engajamento, o companheirismo e a ideologia e
menos para o que se tem entre as pernas?