“É absurda e revoltante a
flexibilização da legislação”. Com essa declaração, entre
aspas, indignada, o Governo de Goiás noticiou a ida do governador
Ronaldo Caiado (UB) ao velório, no último domingo, da jovem Amélia
Vitória de Jesus, de 14 anos, brutalmente violentada e assassinada
na semana passada.
Prontamente,
a declaração foi reproduzida pela imprensa, talvez cansada, talvez
irresponsável ou, talvez, apenas interessada nos altos valores
recebidos do governo. Ninguém, ninguém mesmo para perguntar ao
governador – ou, no íntimo, a si mesmo – sobre qual
“flexibilização” ele falava. Houve alguma mudança no Código
Penal brasileiro que tenha reduzido penas, afrouxado punições?
Pelo
contrário. A lei nº 13.104, de 2015, no governo Dilma Rousseff
(PT), tipificou o feminicídio, aumentando as penas para crimes
cometidos contra mulheres devido ao gênero. Inclusive, aumentando em
1/3 quando cometido contra adolescentes menores de 14 anos.
Por
que, então, Caiado teria inventado – e sua máquina de comunicação
reproduzido com tanta ênfase – uma suposta “flexibilização”?
Ora,
basta ter dois neurônios para deduzir. Envolto em sua bolha de
elogiadores e incentivado a disputar uma
improvável Presidência da
República em 2026, Caiado quer se colocar como herdeiro político do
inelegível Jair Bolsonaro (PL). Não é de hoje que tem buscado
aparecer ao lado do extremista em suas andanças por Goiânia.
O
discurso de justiçamento contra criminosos (e suspeitos, como é o
caso) cola como adesivo instantâneo na horda bolsonarista, sedenta
de sangue. E imputar uma
suposta – esta, sim, criminosa – ligação dos políticos de
esquerda com o crime, como tentam fazer com Lula (PT) e, mais
recentemente com o ministro da Justiça Flávio Dino (PSB), inclusive
com montagens grosseiras feitas no Paint, cola mais ainda.
Apesar
da declaração do governador, em nenhum momento as reportagens citam
qualquer “flexibilização”, tratando, apenas, e com todo o
direito, de criticar o atual Código Penal. Obviamente,
porque não há.
A
declaração de Caiado, o sentenciamento sumário de um inocente, neste caso, pelo
governador, coagiu a polícia a prendê-lo uma segunda vez – ele
já havia sido interrogado e solto, por falta de provas – e dar
nome, imagem e endereço para a imprensa, igualmente
sedenta de cliques. Foi o
que bastou para que sua casa fosse incendiada e, provavelmente,
faltou pouco para um linchamento.
“Ah,
mas ele
já responde por estupro”. Ok. Vamos discutir o endurecimento do
Código Penal? Vamos. Também acho um absurdo um assassino, por
exemplo, passar apenas seis anos na cadeia. Mas essa é outra
história. Indignação não pode ser motivo para imputação de
falsos crimes a outras pessoas. Especialmente por autoridades que
devem guardar a jurada Constituição.