Por Yolanda Pires, da Agência
Pública
Das mais de 2 mil pessoas presas em flagrante
por terem participado dos atos golpistas no dia 8 de janeiro, 294
pessoas (86 mulheres e 208 homens) seguem encarceradas no Complexo da
Papuda e Colmeia [presídio feminino], em Brasília. Esse contingente
de pessoas não só mudou a rotina do sistema penitenciário do DF,
como também tem atraído a solidariedade de políticos aliados de
Jair Bolsonaro.
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Orgulho de apoiar presidiários (F: Reprodução/Senador Heinze) |
Segundo decisões
consultadas pela
Agência Pública, ao menos 33
deputados e senadores, muitos deles favoráveis ao endurecimento do
sistema penal, foram à Papuda e Colmeia visitar os patriotas
envolvidos nos atos golpistas. As visitas foram solicitadas pelos
parlamentares ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), que é também relator dos inquéritos que investigam
os atos extremistas de janeiro. Ao todo, Moraes deferiu 13 pedidos de
visitação em benefício dos políticos.
Uma dessas visitas
aconteceu no dia 15 de fevereiro, pouco mais de um mês após a
depredação do Congresso, STF e Planalto. Na ocasião, dez líderes
políticos do campo bolsonarista tiveram autorização para
participar da visita à Papuda e Colmeia numa comitiva liderada pelos
senadores Magno Malta e Eduardo Girão. Estavam Luis Carlos Heinze
(PP-RS), Tereza Cristina (PP-MS), Rogério Marinho (PL-RN), Jorge
Seif (PL-SC), Jaime Bagatolli (PL-SC), Zequinha Marinho (PL-PA),
Sérgio Moro (União Brasil-PR) e Marcos Pontes (PL-SP). Marcaram
presença também os deputados federais José Medeiros (PL-RN) e a
Coronel Fernanda (PL-MT).
No Centro de
Detenção Provisória 2, apenas Magno Malta e Eduardo Girão foram
autorizados a falar com os presos. Com ternos e gravatas, ao rigor da
formalidade do cargo, os dois foram registrados na entrada da unidade
em um livro separado para as visitas de autoridades. A visita foi
marcada como de caráter “especial”, já que não há previsão
na Lei de Execuções Penais de visitas de autoridades. Eles teriam
solicitado à direção da Papuda que os presos do dia 8 de janeiro
fossem levados ao pátio do CDP-2, local diário dos banhos de sol.
A Agência
Pública confirmou a literalidade das falas dos
senadores Malta e Girão registradas nas aspas a seguir. O senador
capixaba Magno Malta foi o primeiro a falar. Cada frase dele era
acompanhada de um ‘amém’, uma ‘glória’ ou outra resposta
típica de cultos neopentecostais. Já o senador Eduardo Girão disse
que todas aquelas situações vividas pelos presos tinham um
propósito maior. O propósito de tudo aquilo, segundo ele, seria o
“crescimento de todos nós”. “Nós somos uma família”,
disse. No decorrer de sua fala, Girão repetiu a narrativa
bolsonarista de que o país vive uma guerra espiritual.
O senador Malta
contou aos presos das reuniões e articulações que fez para ajudar
os presos e mostrou-se empenhado com a causa dos encarcerados que
atentaram contra a democracia. Malta se emocionou ao final de sua
fala. “Quem dera eu tivesse a coragem de vocês, queria poder
abraçar vocês e dizer obrigado pelos brasileiros que vocês são”.
O senador também
deu informações inverídicas de que o Brasil estava destruído, que
empresas saíram do país e que a inflação estava nas alturas.
Malta foi aplaudido ao falar que iria “atrás” da empresa
responsável pelo fornecimento de refeições na Papuda, uma das
principais reclamações dos golpistas — a empresa em questão
foi contratada
na gestão de Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça e
Segurança Pública do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, preso
até a semana passada pelos atos golpistas de janeiro.
Magno Malta é um
dos parlamentares mais assíduos na tentativa de visitar os golpistas
na Papuda. No ofício em que encaminha um pedido de Malta ao ministro
Alexandre de Moraes, responsável por autorizar as visitas, o
secretário de Administração Penitenciária do DF, Wenderson Souza
e Teles, declarou que “é necessário cautela para que essas
inúmeras visitas não prejudiquem a rotina prisional”.
Em ofício enviado
no dia 17 de fevereiro à juíza Leila Cury, da Vara de Execuções
Penais do DF, Malta relatou que, naquela semana, fez 4 visitas à
Papuda e à Colmeia, chamando de “preocupante” a situação dos
presos do dia 8 de janeiro. Segundo ele, “foram horas dedicadas a
conversar com cada pessoa [detida]”. No ofício, o senador alegou
ainda ter recebido denúncias de violações de direitos humanos, que
não foram comprovadas.
A reportagem tentou
contato por telefone, e-mail e pessoalmente no gabinete dos
senadores, mas Magno Malta e Eduardo Girão não deram retorno até a
publicação. O espaço segue aberto, caso se manifestem.
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Criminosos em ação (F: Joedson Alves/Ag. Brasil) |
Romaria
parlamentar
Também a deputada
bolsonarista Júlia Zanatta (PL-SC) teve deferidos três pedidos de
visita – uma no dia 28 de fevereiro, e duas no dia 5 de maio. Em
entrevista para o programa Oeste Sem Filtro, da Revista
Oeste, Zanatta relatou a sua visita na Colmeia. “Depois que eu fui,
vários parlamentares se levantaram e começaram a ir. Eu lembro que
o Nikolas [Ferreira, deputado federal] também já tinha marcado uma
data para ir. E a gente começou a falar muito disso depois dessa ida
ao presídio”, contou à revista. “A gente começou a usar a
tribuna constantemente para falar desse assunto”, continuou.
Em 13 de abril, a
deputada federal Bia Kicis (PL-DF) subiu à tribuna do Plenário
Ulysses Guimarães e falou sobre a visita que fez aos bolsonaristas
na Papuda. “Eu estive, nessa segunda-feira, na companhia do Senador
Izalci Lucas, no complexo da Papuda, onde nós fomos visitar os
presos políticos que lá se encontram, pessoas que estão presas há
muito mais tempo do que a legislação brasileira permite”, afirmou
— dois dias antes, na mesma tribuna, a deputada havia anunciado o
relançamento da Frente Parlamentar pela Redução da Maioridade
Penal. A visita dela e do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) foi
autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes no dia 4 daquele mês.
Kicis conversou com
a Pública no dia 28 de abril e deu
detalhes de sua visita. Também reunidos no pátio da unidade
prisional, a deputada recorda que todos os presos se mostravam muito
angustiados e ansiosos pela liberdade. Àquela altura, estavam
detidos no CDP-2 há cerca de 90 dias. Se forem condenados, a pena
para tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e
organização criminosa varia entre 4 e 8 anos de cárcere.
Junio Amaral
(PL-MG), policial militar reformado de Minas Gerais, também foi
autorizado por Moraes a visitar o preso Luiz Adrian de Moraes Paz.
Adrian Paz é ex-prefeito de Patos de Minas, filiado ao partido de
extrema-direita PRTB e coordenador de comunicação do grupo B-38,
que teve o canal no Telegram bloqueado pela justiça por incentivar
manifestações antidemocráticas.
Negacionismo
ou isolamento
Em 9 de janeiro,
quando chegaram os cerca de 900 bolsonaristas presos no CDP-2, o
defensor Felipe Zucchini, da DPDF, acompanhou de perto as primeiras
horas deles na penitenciária. Segundo ele, estavam atordoados.
Ele lembra que uns
choravam muito e outros se mostravam eufóricos e confusos com a
situação. “Acho que até por uma questão de classe, que se vêem
como os corretos, superiores e crentes em Deus, eles nunca se
colocaram [naquela situação], não entendem que o fenômeno do
crime pode chegar a todos”.
O defensor estava na
unidade móvel da defensoria quando viu na porta do CDP-2 a comitiva
formada por 10 parlamentares encabeçada pelos senadores Malta e
Girão. Segundo ele, naquele dia ele se apresentou à comitiva,
descreveu as reclamações dos acusados dentro da prisão e
colocou-se à disposição para o que fosse preciso. “Depois também
acompanhei a visita com o ministro Alexandre de Moraes, com a
governadora [em exercício] do DF [Celina Leão] e também a ministra
Rosa Weber […], enfim, todos muito preocupados com as condições
do cárcere”, explicou o defensor, ao se referir a visita realizada
no dia 10 de abril, quando Moraes chegou a experimentar a comida
oferecida aos detidos.
Inaugurada em 2021,
atualmente a ala B do bloco 6 do CDP-2 é a única que abriga os
golpistas do dia 8 ainda encarcerados — centenas deles foram soltos
condicionalmente pelo STF após a identificação, entre elas as
maiores de 70 anos, as com idade entre 60 e 70 anos com comorbidades
e cerca de 50 mulheres que estavam com filhos menores de 12 anos nos
atos.
O CDP-2 funciona
como a porta de entrada da cadeia. É onde os presos recém-chegados
da rua são submetidos à quarentena e recebem tratamentos médicos e
imunológicos, como a vacina contra a Covid-19. Segundo uma fonte que
pediu anonimato, alguns dos presos se negaram a receber a vacina e
alguns mudaram de ideia ao descobrir que não-vacinados ficam 20 dias
em isolamento, uma medida sanitária para evitar novos contágios.
Ao serem levados à
penitenciária, os detidos são registrados e conduzidos às celas e
devem usar roupas brancas, muitas vezes fornecidas pela própria
família, mas muitos teriam continuado com as mesmas roupas verde e
amarela, quando foram vandalizadas as sedes dos três Poderes.
Outros, por sua vez,
tiveram que usar uniformes de escolas públicas cedidos pelo próprio
governo distrital. A informação foi confirmada pelo advogado João
Alberto, da Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil (OACB), que
atuou na defesa dos presos.
Cárcere e
fé
No dia 15 de
janeiro, uma semana após os atos antidemocráticos, Rogério Soares,
pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, em Brasília,
conhecido como frei Rogério, esteve na Colmeia celebrando uma missa
em uma pequena capela no interior da penitenciária. O frei é o
mesmo que celebrou
missa “pela saúde e vida” de Anderson Torres.
O frei disse
à Pública que, ao chegar na prisão, as
presas que quisessem participar da pequena celebração eram
convidadas a preencher um papel demonstrando interesse. A maioria das
participantes daquele dia 15 eram, nas palavras do religioso, “presas
que estiveram nas manifestações”. Para ele, provavelmente, elas
tinham mais interesse na fé católica que as demais.
Naquele dia, ainda
antes de iniciar a missa, em uma salinha ao lado da capela, frei
Rogério ouviu as confissões de ao menos dezesseis mulheres que uma
semana antes haviam participado dos atos golpistas na capital
federal. Os membros da igreja que o acompanhavam evangelizavam as
demais com cantos e palavras. Na missa, cerca de 70 patriotas
participaram com fervor do evento católico.
Para o defensor
Zucchini, de tudo que viu e ouviu, tanto dos detentos do dia 8 de
janeiro quanto dos demais, é impossível dizer que exista um regime
de privilégios aos presos golpistas. Para ele, o sistema carcerário
segue violento e indigno com a vida das pessoas encarceradas. “É a
maior violação de direitos humanos que tem no Brasil”, afirma. No
entanto, ele diz que existem regalias sutis que refletem os próprios
privilégios que existem fora da cadeia. “O que aconteceu nesse
fato [da tentativa de golpe do dia 8 de janeiro] também é a
falência da sociedade, e o direito penal é tido como um bote
salvador. […] Falhamos com sociedade e temos o bote salvador do
direito penal”.
Desde abril, o STF
iniciou uma série de julgamentos sobre os pedidos de abertura de
ação penal feitos pelo Ministério Público contra os golpistas do
8 de janeiro – incluindo os que estão na Papuda e Colmeia. Até o
momento, já foram concluídas as deliberações de três blocos de
julgamentos e 795 pessoas já são rés – mais da metade dos 1.390
denunciados pela Procuradoria-Geral da República.